Direito do paciente

O papel do magistrado nas demandas sobre o direito a saúde.

A função do magistrado essencialmente é vista como a “arte de decidir”, ressalta-se que não há mais como restringir esse ato a teoria da subsunção, onde a norma jurídica é a premissa maior; a lide, a premissa menor; e a decisão seria a conclusão. Esse modelo não atende mais a dinâmica social, por vezes se observa que a lei já nasce “velha”, pois a vida se põe em outra velocidade.

Igualmente, não se presume um magistrado que não reconheça que os casos a ele apresentado se constitui de certa complexidade e que as partes clamam por uma solução em busca da tão sonhada paz social como adverte Maria Helena Diniz [1]

 Decidir é um ato eu visa a tornar incompatibilidades indecidíveis,que, num momento seguinte,podem criar novas situações até mais complexas que as anteriores.Logo se o conflito é condição de possibilidade da decisão, esta não é eliminada, mas tão somente o transforma.É por isso que se diz, como vemos,que decisão jurídica (a lei, o costume, a sentença judicial ,etc.)não termina o conflito através de uma solução, mas a soluciona pondo-lhe um fim,impedindo que seja retomado ou levado adiante(coisa julgada).

De uma decisão judicial espera-se uma qualificação desse ato, não é quantitativo das decisões que provoca uma pacificação no seio da sociedade, mas a qualificação da sentença que irá ou não despertar o senso de justiça. Cabral[2] ratifica esta expectativa dos jurisdicionados e da sociedade em geral

Na decisão expressa pela sentença, estão varias questões e formas de aplicação da lei, formas que não se excluem, mas que geralmente se completam. O magistrado moderno não pode cingir-se à letra morta e fria da lei. Ele vai dar vida à norma, aplicando-a segundo a realidade dos fatos. E, para examinar esses fatos, para apreciá-los, naturalmente recorre, sem rótulos, a diferentes meios e formas…

Nesse desafio o magistrado se depara com pontos críticos que formatará seu pensamento; em primeiro plano insurge as possíveis interpretações acerca da lei, do ordenamento a ser utilizado como base, reconhecer a essência, a vontade do legislador e ver se a mesma abarca o que se discute no caso concreto. A formação deste juiz foi tema da obra de Cardozo[3] como se lê

Como desenvolver e entender o juiz o corpo uniformidades que nós chamamos o direito (the Law), quando combinações mutáveis de acontecimentos tornam necessário um desenvolvimento ou extensão? Existe apenas um método à sua disposição ou existem métodos a escolha; e se assim é, como diferem e quais os princípios que devem regular a escolha entre eles? Certo conhecimento mediato dessas coisas constitui parte importante da nossa aparelhagem para o serviço no foro ou magistratura? Confesso que só muito tarde adquiri o sentimento de sua importância.

Por vezes o que se apresenta é a falta do conhecimento técnico de área diferente do Direito, como por exemplo, a área da saúde. O juiz não é especialista em todos os ramos e deve atentar-se da necessidade de solicitar especialistas da área para auxiliar, dando as informações para que sua decisão tenha por estrutura todo o conhecimento necessário para tal trabalho.

E a imprescindibilidade da prova, nem sempre será palpável, será baseada em uma das possibilidades. Na seara da saúde, prevenir será baseado em uma possibilidade abstrata e deverá ser apontada como prova, pois a falta de uma sentença favorável ao paciente, não lhe privará de algo insubstituível, pois estamos tratando da vida e de seu contraponto é a morte.

Enfrenta tão árdua batalha jurídica e social que o magistrado pode não encontrar nenhum precedente, e ainda assim terá por obrigação julgar, não há no que falar no non liquet. Sua função primordial é decidir, é o que se espera.

O juiz em sua atividade ao se deparar com demandas sobre saúde e as leis que possam enquadra-la em parâmetros dentro do que o Estado alega poder realizar. Deve lembrar-se da lição de Gilmar Mendes[4]

O direito à vida não pode ter seu núcleo essencial apequenado pelo legislador infraconstitucional – e é essa consequência constitucionalmente inadequada que se produziria se se partisse para interpretar a Constituição ,segundo a legislação ordinária ,máxime quando esta não se mostra tão ampla como exige o integral respeito do direito à vida. Havendo vida humana, não importa em que etapa do desenvolvimento e não importa o que o legislador infraconstitucional dispõe sobre personalidade jurídica, há o direito à vida.

Devendo se ater ao Princípio da Legalidade que o vincula, não pode, entretanto, acreditar-se servo da lei, retornando ao papel do juiz na época do Código de Napoleão, sendo apenas a “boca da lei”. É necessário ponderar os princípios constitucionais e todos que gravitam no ordenamento jurídico em torno da Constituição Federal. Carnelutti[5] demonstra a importância do magistrado na sociedade

O juízo sugere naturalmente a figura do juiz, no qual a ciência do direito reconhece cada vez mais o órgão elementar do direito. Antigamente, não se pensava assim: durante muito tempo, o juízo foi desvalorizado em comparação a lei e o juiz aparecia com uma figura de segundo plano em comparação com o legislador. Mas a verdade é que sem o juízo a lei nem poderia servir para os fins do direito. Historicamente, o juízo é anterior à lei…

Sobre a possibilidade de uma interpretação mais flexível envolvendo a Constituição Federal e a segurança jurídica, Calçado[6] afirma.

A segurança jurídica não está ameaçada com a abertura interpretativa constitucional, assim como figuras as palavras de Haberle. Entendemos como um processo de amadurecimento hermenêutico necessário para o desenvolvimento de um Estado, e ademais, sob pena de engessamento e perda de credibilidade, se bloquear essa tendência. Interpretar um ato normativo nada mais é do que colocá-lo no tempo ou integrá-lo na realidade pública, por isso a importância do passado e do futuro estarem presentes em qualquer constituição do mundo.

O argumento utilizado pelo Estado que se denomina de princípio da reserva do possível, já foi rechaçada por doutrinadores de renome como cita Gilmar Mendes[7]

 Configura de um direito público subjetivo, que pode ser exigido do Estado ao qual é imposto o dever de prestá-lo, como sustenta Sérgio Pinto Martins, que, no particular, não se faz referência alguma à reserva do financeiramente possível, mesmo sabendo que Lea representa incontornável condição de viabilidade dessa e de tantas outras promessas constitucionais de igual natureza.

É preciso confrontar todos os dados, reunir a melhor doutrina, jurisprudência, a melhor técnica na teoria da decisão, mas acima de tudo é necessário humanidade, reconhecer que cada processo é recheado de vida, de expectativas, o ser humano visto como tal, e não como uma numeração na capa de um processo, como afirma tal pensamento em Maria Helena Diniz citando Tércio Sampaio Ferraz Jr.[8]

Ensina-nos, magistralmente, Tércio Sampaio Ferraz Jr. Que a ciência jurídica, como a teoria da decisão,procura captar a decibilidade dos conflitos sociais como uma intervenção continua do direito na convivência humana; vista como um sistema de conflitos intermitentes. A ciência jurídica como teoria da decisão não só se preocupa com as condições de possibilidade da decisão, ficando preso a certos requisitos técnicos de uma decisão justa, procurando prever instrumentos para o decididor que lhe permitam solucionar os conflitos até mesmo o caso de preenchimento de lacunas, mas também com o controle de comportamento, isto porque em toda decisão de autoridade esta ínsito um elemento de controle da parte do decididor sobre o endereçado da decisão.

Percebe-se que ao trabalhar tendo como insumo a saúde de um ser humano encontra-se uma linha tênue entre o operador do direito e o ser humano e todas suas convicções, ao decidir, ao ponderar, a que se elevar o bem jurídico maior que se deve buscar em qualquer sentença, ou seja, a vida.

 Um bem com valor tão alto que não se expressa em valores monetários e não há reparação financeira que se busque, apenas se quer o maior princípio ser exercido, o da dignidade da pessoa humana. Magalhães[9] ressalta “Um Direito Positivo injusto é Direito, mas é direito de má qualidade, pois todo ordenamento jurídico deve ser um ensaio de Direito Justo”.

         O que se busca ao final de cada demanda é um Direito Justo, e a justiça maior não há, do que favorecer, empreender esforços na manutenção da vida. Sintetizando essa ideia Cunha Junior[10] afirma

A efetivação do direito social à saúde depende obviamente da existência de hospitais públicos ou postos de saúde, da disponibilidade de vagas leitos nos hospitais e postos já existentes, do fornecimento gratuito de remédios e existência de profissionais suficientes ao desenvolvimento e manutenção das ações e serviços públicos de saúde.

Na ausência ou insuficiência dessas prestações materiais, cabe indiscutivelmente a efetivação judicial desse direito originário à prestação. Assim assiste ao titular do direito exigir judicialmente do Estado uma dessas providencias fáticas necessárias ao desfrute da prestação que lhe constitui o objeto.

         É imprescindível um olhar mais atento às demandas que envolvam questões de saúde, em toda a sua complexidade, não apenas normativa ou financeira, mas a essência do pedido levando-se como ponto central a real situação do individuo e sua necessidade, resguardando em todos os casos o seu direito à saúde, a vida, bem maior de qualquer ser humano.

Aqui tratamos o tema de forma pontual e breve. Caso tenha dúvidas procure seu (sua) advogado (a) de confiança.

Conhecer é essencial.

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[1] DINIZ. Maria Helena. Compêndio de Introdução à ciência do direito: introdução à teoria geral do direito, à filosofia do direito, à sociologia do direito…23 ed. São Paulo: Saraiva,2012,p.223.

[2] CABRAL, Plínio. Usos e costumes: razões de uma revolução. São Paulo: Rideel,2009.p.90

[3] CARDOZO. Benjamim N. Evolução do direito. trad. Henrique de Carvalho. Belo Horizonte: Editora Líder, 2004.p.39

[4] BRANCO, Paulo Gustavo Gonet;COELHO,Inocêncio Martires; MENDES,Gilmar Ferreira. Curso de Direito constitucional. 4 ed. E atual. São Paulo: Saraiva 2009, p.398.

[5] CARNELUTTI. Francesco. Como nasce o direito. Tradução de Hitamar Martins Oliveira. Belo Horizonte: Editora Líder, 2003.p.49

[6] CALÇADO, Gustavo. Constitucionalismo: crise ou transição. Uberaba: W\s Editora ou gráfica, 2012.p.141.

[7] BRANCO, Paulo Gustavo Gonet;COELHO,Inocêncio Martires; MENDES,Gilmar Ferreira. Curso de Direito constitucional. 4 ed. E atual. São Paulo: Saraiva 2009, p.1421.

[8] DINIZ. Maria Helena. Compêndio de Introdução à ciência do direito: introdução à teoria geral do direito, à filosofia do direito, à sociologia do direito…23 ed. São Paulo: Saraiva,2012,p.226.

[9] FILHO. Glauco Barreira Magalhães. A essência do direito. 2ed. São Paulo: Rideel,2006,p.17.

[10] CUNHA JUNIOR, Dirley.Curso de Direito Constitucional.3 ed. Salvador: Jus PODIVM,2009.p.725

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