A presença do dano moral no país sempre esteve presente, mesmo quando não havia previsão legal, era possível verificar pelos relatos históricos a presença deste malefício para a sociedade.
Com a evolução das proteções em todos os âmbitos, e, em especial, na seara civil, o dano moral foi, não apenas constatado, mas também estudado e se tornou tema frequente nas ações judiciais.
Como o dano moral está ligado com o subjetivismo, com a percepção de si mesmo, por muito tempo se defendeu a impossibilidade de quantificar o dano de uma dor, sofrimento ou sentimento.
Freitas[1] relata o que considera uma das mais antigas referencias sobre o tema
Talvez uma das mais antigas referências à indenização por dano moral, encontrada historicamente no direito brasileiro, está no Título XXIII do Livro V das Ordenações do Reino (1603), que previa a condenação do homem que dormisse com uma mulher virgem e com ela não se casasse, devendo pagar um determinado valor, à título de indenização , como um “dote” para o casamento daquela mulher, a ser arbitrado pelo julgador em função das posses do homem ou de seu pai.
No Código Criminal de 1830[2], encontra-se em seus artigos referencia a indenização por danos extra patrimoniais, como no artigo 7,in verbis
Art. 7º Nos delictos de abuso da liberdade de communicar os pensamentos, são criminosos, e por isso responsaveis:
1º O impressor, gravador, ou lithographo, os quaes ficarão isentos de responsabilidade, mostrando por escripto obrigação de responsabilidade do editor, sendo este pessoa conhecida, residente no Brazil, que esteja no gozo dos Direitos Politicos; salvo quando escrever em causa propria, caso em que se não exige esta ultima qualidade. (grifo nosso)
Na Consolidação das Leis Civis de 1858, em sua terceira edição[3] (1876), encontram-se exemplos de indenização extra patrimonial.
Art. 86. 0s contrahentes, com approvacão de seus Pais, Tutores, ou Curadores , poderão definir e ajustar nas escripturas a quantia, que deve servir de compensacão á parte lesa no caso de injusto repudio.
Art. 87. Em falta de estipulação, a indemnisacão das perdas e interesses ficará ao prudente arbitrio do Juiz, segundo as circurnstaneias que occorrhrem.
Art. 800. A indemnisagãio será sempre a mais completa, que for possivel ; em caso de duvida, será á favor do offendido
Art. 801: Para este fim o mal, que resultar á pessoa, e aos bens, do offendido, será avaliado por arbilros, em todas as suas partes, e conseqiiencias
Outro marco histórico sobre a reparação foi o Decreto nº 2.681 de 7 de Dezembro de 1912[4] que regulava a responsabilidade civil das estradas de ferro ,destacam-se os seguintes artigos do diploma legal
Art.20 – No caso de ferimento, a indenização será equivalente às despesas do tratamento e aos lucros cessantes durante ele.
Art. 21 – No caso de lesão corpórea ou deformidade, à vista da natureza da mesma e de outras circunstâncias, especialmente a invalidade para o trabalho ou profissão habitual, além das despesas com o tratamento e os lucros cessantes, deverá pelo juiz ser arbitrada uma indenização conveniente.
Art. 22 – No caso de morte, a estrada de ferro responderá por todas as despesas e indenizará, a arbítrio do juiz, todos aqueles aos quais a morte do viajante privar de alimento, auxílio ou educação.
Acerca da utilização deste Decreto no mundo jurídico Freitas[5] exemplifica
Tal dispositivo serviu, durante várias décadas, como fundamento de decisões prolatadas pelo próprio Supremo Tribunal Federal, como, por exemplo, num do STF, de 1976 (RE 82.296), 1976, em que se entendeu que, não obstante o fornecimento de aparelhos ortopédicos pudessem amenizar o mal sofrido, não arrebatavam a dor moral, a qual, na mulher solteira e jovem, merecia ser reparada.
O Código Civil de 1916[6] trouxe em seu corpo jurídico vários artigos que tratavam com mais presença o dano moral, toma-se como exemplo alguns artigos.
Art. 1547. A indenização por injúria ou calúnia consistirá na reparação do dano que delas resulte ao ofendido.
Art. 1.549. Nos demais crimes de violência sexual, ou ultraje ao pudor, arbitrar-se-á judicialmente a indenização.
Art. 1.550. A indenização por ofensa à liberdade pessoal consistirá no pagamento das perdas e danos que sobrevierem ao ofendido, e no de uma soma calculada nos termos do parágrafo único do art. 1.547.
A Lei de Imprensa[7] traz um capitulo próprio sobre a responsabilidade civil,in verbis
CAPíTULO VI
DA RESPONSABILIDADE CIVIL
Art . 49. Aquele que no exercício da liberdade de manifestação de pensamento e de informação, com dolo ou culpa, viola direito, ou causa prejuízo a outrem, fica obrigado a reparar:
I – os danos morais e materiais, nos casos previstos no art. 16, números II e IV, no art. 18 e de calúnia, difamação ou injúrias;
II – os danos materiais, nos demais casos.
§ 1º Nos casos de calúnia e difamação, a prova da verdade, desde que admissível na forma dos arts. 20 e 21, excepcionada no prazo da contestação, excluirá a responsabilidade civil, salvo se o fato imputado, embora verdadeiro, diz respeito à vida privada do ofendido e a divulgação não foi motivada em razão de interêsse público.
§ 2º Se a violação de direito ou o prejuízo ocorre mediante publicação ou transmissão em jornal, periódico, ou serviço de radiodifusão, ou de agência noticiosa, responde pela reparação do dano a pessoa natural ou jurídica que explora o meio de informação ou divulgação (art. 50).
§ 3º Se a violação ocorre mediante publicação de impresso não periódico, responde pela reparação do dano:
a) o autor do escrito, se nêle indicado; ou
b) a pessoa natural ou jurídica que explora a oficina impressora, se do impresso não consta o nome do autor.
A Constituição Federal de 1988[8] abarca em seus artigos todas as formas de proteção do ser humano e sua consequente reparação caso seja lesado em seus direitos. Destaca-se o artigo 5º do referido diploma, citando dois de seus incisos, in verbis
Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:
V – é assegurado o direito de resposta, proporcional ao agravo, além da indenização por dano material, moral ou à imagem;
X – são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação;
O Código de Defesa do Consumidor[9] em vigor desde 1990 alavancou a percepção da necessidade de reparar os danos ocorridos nas relações de consumo e também proporcionar uma atividade preventiva aos danos, trabalhando os direitos básicos do consumidor que pode ser verificado no artigo 6º da referida norma.
CAPÍTULO III
Dos Direitos Básicos do Consumidor
Art. 6º São direitos básicos do consumidor:
I – a proteção da vida, saúde e segurança contra os riscos provocados por práticas no fornecimento de produtos e serviços considerados perigosos ou nocivos;
II – a educação e divulgação sobre o consumo adequado dos produtos e serviços, asseguradas a liberdade de escolha e a igualdade nas contratações;
III – a informação adequada e clara sobre os diferentes produtos e serviços, com especificação correta de quantidade, características, composição, qualidade e preço, bem como sobre os riscos que apresentem;
IV – a proteção contra a publicidade enganosa e abusiva, métodos comerciais coercitivos ou desleais, bem como contra práticas e cláusulas abusivas ou impostas no fornecimento de produtos e serviços;
V – a modificação das cláusulas contratuais que estabeleçam prestações desproporcionais ou sua revisão em razão de fatos supervenientes que as tornem excessivamente onerosas;
VI – a efetiva prevenção e reparação de danos patrimoniais e morais, individuais, coletivos e difusos;
VII – o acesso aos órgãos judiciários e administrativos com vistas à prevenção ou reparação de danos patrimoniais e morais, individuais, coletivos ou difusos, assegurada a proteção Jurídica, administrativa e técnica aos necessitados;
VIII – a facilitação da defesa de seus direitos, inclusive com a inversão do ônus da prova, a seu favor, no processo civil, quando, a critério do juiz, for verossímil a alegação ou quando for ele hipossuficiente, segundo as regras ordinárias de experiências;
IX – (Vetado);
X – a adequada e eficaz prestação dos serviços públicos em geral.
O Código Civil de 2002 trouxe inúmeras inovações no campo da reparação por dano moral, como afirma Freitas[10] em enumeração de tópicos que a mesma extrai do documento legal.
O marco mais recente e importante na evolução histórica do dano moral no direito brasileiro é o novo Código Civil, em vigor desde Janeiro de 2003. As principais inovações trazidas por este texto legal, estão no artigo 186, que estabelece que comete ato ilícito aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, viola direito e causa dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, e o artigo 187, que determina, de forma similar, que comete ato ilícito o titular de um direito que, ao exercê-lo, excede manifestamente os limites impostos para o fim econômico ou social, boa -fé ou pelos costumes. Nesses referidos artigos, são observadas não só a confirmação do dano extrapatrimonial como sendo reparável, independentemente do dano patrimonial, como também a ampliação dos aspectos subjetivos desta espécie de dano, uma vez que o simples exercício de seu direito será passível de ressarcimento a outrem, quando, ao exercê-lo, o titular deste direito exceder os limites determinados pela sociedade. O Novo Código Civil também estabelece, nos artigos 927 a 943, a responsabilidade civil com hipóteses de obrigação de indenizar e, nos artigos seguintes, apresenta aspectos e determinações quanto à própria indenização.
[1] FREITAS, Claudia Regina Bento de. O quantum indenizatório em dano moral: aspectos relevantes para a sua fixação e suas repercussões no mundo jurídico. Disponível em:<http://www.emerj.tjrj.jus.br/paginas/trabalhos_conclusao/2semestre2009/trabalhos_22009/ClaudiaReginaBentodeFreitas.pdf. Acesso em: 25 out. 2015.
[2]Brasil: Lei de 16 de dezembro de 1830. Manda executar o Código Criminal. Disponível em:<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/LIM/LIM-16-12-1830.htm>.Acesso em: 25 out. 2015.
[3] BRASIL: Consolidação das Leis Civis de 1858. Disponível em: <http://ia800302.us.archive.org/16/items/ConsolidaoDasLeisCivis/CLC.pdf>.Acesso em: 25 out.2015.
[4]BRASIL: Decreto nº 2.681, de 7 de Dezembro de 1912.Regula a responsabilidade civil das estradas de ferro. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/D2681_1912.htm>.Acesso em: 25 out. 2015.
[5] FREITAS, Claudia Regina Bento de. O quantum indenizatório em dano moral: aspectos relevantes para a sua fixação e suas repercussões no mundo jurídico. Disponível em:<http://www.emerj.tjrj.jus.br/paginas/trabalhos_conclusao/2semestre2009/trabalhos_22009/ClaudiaReginaBentodeFreitas.pdf. Acesso em: 25 out. 2015.
[6]BRASIL: Lei nº 3.071, de 1º de janeiro de 1916. Código Civil dos Estados Unidos do Brasil. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L3071impressao.htm>. Acesso em: 25 out. 2015.
[7]BRASIL: Lei nº 5.250, de 9 de fevereiro de 1967. Regula a liberdade de rnanifestação do pensamento e de informação. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L5250.htm>. Acesso em: 25 out. 2015.
[8]BRASIL: Constituição da República Federativa do Brasil de 1988.Disponível em : <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/ConstituicaoCompilado.htm>.Acesso em : 25 out.2015.
[9]BRASIL: Lei nº 8.078, de 11 de setembro de 1990. Dispõe sobre a proteção do consumidor e dá outras providências. Disponível em: file:///C:/Users/M%C3%B4nica/Downloads/cdc%20(1).pdf. Acesso em: 25 out. 2015.
[10] FREITAS, Claudia Regina Bento de. O quantum indenizatório em dano moral: aspectos relevantes para a sua fixação e suas repercussões no mundo jurídico. Disponível em:<http://www.emerj.tjrj.jus.br/paginas/trabalhos_conclusao/2semestre2009/trabalhos_22009/ClaudiaReginaBentodeFreitas.pdf. Acesso em: 25 out. 2015.